quarta-feira, 25 de julho de 2012

Matéria ou um ser que ainda não é

Matéria ou um ser que ainda não é.

Um sonho que tive:
era um eu em formação.

Na verdade, ainda não era um eu.
Era um processo, uma formação mesmo.
Metamorfose de não sei o quê, que nunca chegava plena à sua completude,
nunca chegava a ser.

Eu não falava e não via.
Meus olhos ainda não haviam tomado proporções para coisa.
Nada fazia sentido e, por isso, eu tudo sentia.

Estranho sentir que nada faz sentido.
Porém eu sentia.

Meus braços com dificuldade já se estendiam e minhas mãos trêmulas pegavam palavras ocupadas de céu com lágrimas de sol,
mas a esperança, crisálida que desabrochava no meu ventre, ela mesma, escapava úmida entre meus dedos.

Ainda não tinha certeza se a formação disforme desse eu era mesmo de mim.
Eu não sabia o que era ser. Eu estava apenas sendo.
Havia medo durante o processo.
Mas medo de quê?
Sendo incompleto, a matéria do eu era incapaz de decifrar ao certo as sensações.
Porém eu sentia.

Sentimento ali era apenas um pretexto inútil para ser.
Já a sensação, esta sim me lançava num universo onde espaço e tempo se confundiam e me faziam ter consciência de que para passar para o próximo estágio da formação era preciso o grito.
O grito do alívio e do desespero.
O grito que liberta.

E como gritar sem ainda haver uma boca formada?
Eu nem sabia ainda o que era a boca.
Mas o grito em mim era muito mais do que uma forte emissão de som.
Era um empurrão, uma energia que me saía inclusive pelos poros.
O apelo me sangrava pelo corpo
e assim eu me libertava,
assim eu ia me tornando.

Posso dizer que toda a minha vida se passou ali, no processo.
Depois veio a morte da semente.

Nessa hora, comecei a não sentir algumas partes do meu corpo em formação quando súbito me deparo com um abismo à minha frente.


Queda.


Acordei num salto e vi que dormia em cima de um dos braços.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Corpo


Palavra é sangue.
É rio de plasma onde quero rubro escrever o livro das santas horas.
O livro das minhas lamentações rasteiras, dos meus dias que inventei e de quando fui costume de cristal pra brincar escuridão na mansidão do coração.

Verso é veia.
Faço aprendizagem de espelho pra nele calcular métrica cínica de criação.
Rima insolente de um sorriso.

Poema é corpo.
Quem sabe eu não me comece soneto.
Talvez uma ode.
Não.
Não me atrevo com representações fúteis da minha existência.
De mim nasce apenas uma imagem onde colho simples a generosidade lúdica do verso livre.

Poesia é ser.
E sou jardim pertencido de poesia?
Não.
Poesia é o que a gente usa pra regar pezinho de verso.