quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Conversão


Tudo mais o que sinto é motivo de verso.
Na falta de inspiração, apelo para a sensação, que move o mundo, que move o lápis.
Rabisco no tempo os anseios de uma vida morta circular.
Fecho os olhos e vejo a semente da palavra, que brota única num pedaço tímido de papel.

Debruçado na janela da minha alma, vejo meus olhos, vejo a coragem, vejo a fé.
E vejo que minha fé é uma fé em nada. É uma fé no vazio, numa folha de papel em branco.
Naquele mesmo dia me veio a poesia e me trouxe as palavras.
A partir delas fui batizado com versos e, convertido em poema, fui salvo.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Em cena


No tablado de minh’alma encena-se uma peça cujo enredo é minha própria vida.
Mas esse enredo, essa peça, essa vida, são apenas pretextos pra que eu seja,
Pra que eu viva.
Mas o que sou não tem enredo.
Todos os meus passos e sonhos ficaram esquecidos na coxia,
Fugiram de minha boca todas as minhas falas,
Já não sei de mais nada e isso me confunde, pois ter consciência de que nada sei já me faz saber alguma coisa.
Eu sei o nada.
Eu tenho a consciência do silêncio.
Escuto o silêncio e nele escuto o nada.
O silêncio é a voz do nada,
É o grito do antes.

Meu existir é um destino sem palavras.
O ser que eu era tem saudades do que serei
E o que sou hoje, chora sozinho nesse palco.

De nada vale o espetáculo do meu verso.

As pessoas não querem me ler.

Descaminho


Vazio e sem pressa, como água eu caminhava num silêncio de raiz por dentro de mim.
Sem paixão ou motivo que justificasse, eu me conduzia torto pelo eterno descaminho azul desse mim.
Nessa iluminada jornada, descobri que dentro do mim havia um céu leve, cínico de escuridão, e que nas paredes desse céu era possível tocar páginas de livros com estrelas, noites e ventos.

Eu me distraía folheando os livros do meu céu.
Eu era o livro de mim.
Eu me folheava.

Mergulhado nesse universo do dentro, por dias percorri meu coração, minhas lembranças e chorei ao encontrar com o meu tempo, alegre na infância, hoje triste, úmido e solitário.
Trilhando o percurso, ouvi ao longe uma melodia cuja canção me atraía como uma ventania me lançando pelos ares.
Nesse voo melódico e inesperado, fui arrebatado de dentro de mim por versos livres, consagrados de sombra.
Atado a eles, voei por um longo tempo, mas não abria os olhos, porque senti que se os abrisse, cairia de uma altura que só daria pra medir se esse poema fosse um soneto.

Eu estava mais alto que a lágrima.
Tão alto que atingi o plano inconsequente dos segredos da alma.
Eu me deitava em nuvens e flutuava sem rumo por um deserto de borboletas.
Após isso veio o esboço e o infortúnio: fui embalado num véu de olhares atormentados em que só a poesia poderia me salvar.
Ah, a poesia! Ela, que voa sem asas!
Veio até mim e sem mais nem menos me resgatou, lançando-me como chuva num jardim azul com canteiros de petúnias e promessas.

Nesse jardim, eu pequenino contemplei bem de perto a terra, eu terra, os insetos, as flores e percebi que de todos os seres viventes do mundo, eu era o menor.
Isso me fez grande.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A dor do verso


Quero um poema ingrato que me doa
em verso assim sem ritmo que edifica.

Eu finjo uma dor típica de verso
Uma dor lírica que me convém.

Esse poema é triste e me magoa
mas também me transcende e premedita.

Quero um poema simples, mas diverso
de uma dor rica em soberba e desdém.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Verbo Ser

É sol é lua
Verbo Ser no espaço
Verbo Ser entre os astros.

É sol é lua
Madrugada nua
Verbo Ser miniatura
Qual menino de rua
Que caminha, sangra e sua
Na esperança de viver.

Verbo Ser não tem razão
É verbo de ligação
Liga a terra ao céu
E o teu nome ao coração.

Verbo Ser é estrela
Acende a noite dos namorados
E os torna um só entrelaçados
Num céu de gozo e prazeres alados.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Matéria ou um ser que ainda não é

Matéria ou um ser que ainda não é.

Um sonho que tive:
era um eu em formação.

Na verdade, ainda não era um eu.
Era um processo, uma formação mesmo.
Metamorfose de não sei o quê, que nunca chegava plena à sua completude,
nunca chegava a ser.

Eu não falava e não via.
Meus olhos ainda não haviam tomado proporções para coisa.
Nada fazia sentido e, por isso, eu tudo sentia.

Estranho sentir que nada faz sentido.
Porém eu sentia.

Meus braços com dificuldade já se estendiam e minhas mãos trêmulas pegavam palavras ocupadas de céu com lágrimas de sol,
mas a esperança, crisálida que desabrochava no meu ventre, ela mesma, escapava úmida entre meus dedos.

Ainda não tinha certeza se a formação disforme desse eu era mesmo de mim.
Eu não sabia o que era ser. Eu estava apenas sendo.
Havia medo durante o processo.
Mas medo de quê?
Sendo incompleto, a matéria do eu era incapaz de decifrar ao certo as sensações.
Porém eu sentia.

Sentimento ali era apenas um pretexto inútil para ser.
Já a sensação, esta sim me lançava num universo onde espaço e tempo se confundiam e me faziam ter consciência de que para passar para o próximo estágio da formação era preciso o grito.
O grito do alívio e do desespero.
O grito que liberta.

E como gritar sem ainda haver uma boca formada?
Eu nem sabia ainda o que era a boca.
Mas o grito em mim era muito mais do que uma forte emissão de som.
Era um empurrão, uma energia que me saía inclusive pelos poros.
O apelo me sangrava pelo corpo
e assim eu me libertava,
assim eu ia me tornando.

Posso dizer que toda a minha vida se passou ali, no processo.
Depois veio a morte da semente.

Nessa hora, comecei a não sentir algumas partes do meu corpo em formação quando súbito me deparo com um abismo à minha frente.


Queda.


Acordei num salto e vi que dormia em cima de um dos braços.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Corpo


Palavra é sangue.
É rio de plasma onde quero rubro escrever o livro das santas horas.
O livro das minhas lamentações rasteiras, dos meus dias que inventei e de quando fui costume de cristal pra brincar escuridão na mansidão do coração.

Verso é veia.
Faço aprendizagem de espelho pra nele calcular métrica cínica de criação.
Rima insolente de um sorriso.

Poema é corpo.
Quem sabe eu não me comece soneto.
Talvez uma ode.
Não.
Não me atrevo com representações fúteis da minha existência.
De mim nasce apenas uma imagem onde colho simples a generosidade lúdica do verso livre.

Poesia é ser.
E sou jardim pertencido de poesia?
Não.
Poesia é o que a gente usa pra regar pezinho de verso.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Rascunho


Faz mais de rio que não vejo o sonho.

Quando eu fazia arte na existência, meu pai castigava infância com vara de marmelo.
Meu pai tinha uma voz de trovão.
Hoje tem doçura de arrebol.
Cheira à terra molhada a nostalgia do meu pai.

O segredo de mim é vário. O do meu pai é noite.

Sou poeta, caso perdido.
Desisti de mim quando borboleta escreveu azul na minha mão.
Fui me sendo menos quando me vi de pé na fila de espera do meu sorriso e quando musa me cantou um desapego fúnebre com paramentos de abismo escolhido de girassóis.
Poesia de ônibus faz mais música que vento em árvore.

Palavras me escravizam de dezembro.

sábado, 10 de março de 2012

Caminhada


Passos na linha do presente.
No passado ficou só um mundinho caminhado de retratos, sementes e palavras.
Tem muito mais de mim na travessia desse verso.
Palavras me assumem mais do que cirandas.
Nelas desempenho lírios e respiro presença.
Eu sofro de tanto.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Mesa posta


Mesa posta.

Pratos tristes na mesa para um jantar acostumado de gala e requinte.
Os convidados, preferidos de dinheiro, se entreolham e se sorriem em redor da mesa se cumprimentando num clima protocolar de satisfação enquanto que em suas mentes o que se vê é apenas uma necessidade burguesa de bajulação e puxa-saquismo.
Na sala de jantar uma decoração retrô agradável que dá pra medir com régua, garfos e cortina.
Móveis sérios de madeira antiga, estilo século XIX, que pareciam contar histórias de gerações passadas esquecidas nas gavetas, prateleiras e nos detalhes suspeitos e sinuosos da madeira trabalhada.
Livros raros nas estantes, volumes completos de enciclopédias e clássicos da literatura somente lidos pelo dono da casa.
Tem um ar pedante na gargalhada funesta e esganiçada da anfitriã e dá pra sentir tristeza no sorriso de seu marido, homem de negócios, rico, mas que nunca foi realmente feliz.
Seus 3 filhos já casados moram longe e ele quase nunca vê os netos, únicos que o beijam e abraçam com amor transparente e desinteressado.
Ele sente falta do desinteresse.
Sente falta de quando não era tão rico e conhecia seus verdadeiros amigos, que ficaram no passado, na sua terra de origem.
Hoje ele só tem uns duvidosos amigos do ambiente de trabalho, com suas esposas atrás de suas maquiagens tentando esconder a crueldade do tempo, que é implacável.

– Será que estariam aqui se eu não fosse rico?

Ações da bolsa, mercado financeiro, especulação imobiliária... É o que se fala na mesa, mas o homem, cansado disso e com a cabeça distante desse assunto, só pensa em cochilo na rede, fumar um cigarro, pisar descalço no chão de terra e procurar ninhos nos buracos da casa velha do sítio no interior.

O jantar termina, todos se levantam.
Os anfitriões acompanham os convidados até à porta e se despedem com cumprimentos formais sem ainda se desligarem completamente dos assuntos que permearam quase toda a reunião.
Os carros vão sumindo na estrada, mas da porta permanecem ainda por um tempo os acenos.
Com um olhar de cansaço o casal se retira pra dentro de casa.
A mulher, já sem a maquiagem usada no jantar, dorme com facilidade e rapidez enquanto o homem ainda permanece um tempo sentado na cama folheando as páginas de um Kafka, único que estava ao alcance de sua mão.
O silêncio permanece madrugada adentro quando o homem se levanta e caminha pra fora de casa até os fundos dirigindo-se para um barraco onde guardavam tralhas velhas e ferramentas.

Há quem diga que atrás do sossego passa um rio com águas de desespero que nos leva suaves e tortos pra um oceano de visões e demência.
E o homem, levado por essa correnteza, num turbilhão de calmaria que deságua atrás da casa, lá dentro se tranca.
E rasgando a madrugada, despertando o latir dos cães, um tiro na noite.

sábado, 3 de março de 2012

Azul


Fora de mim o azul!
Me deixe chorar no cinza!

Nas páginas desse livro tem um fogo azul com chamas de existir que penetra e se incorpora no antigamente com versos sem nome de outrora.
Curioso o azul. Ele me encanta com a beleza úmida e pueril de seu som.
Faz música de céu nos olhos da menina e oceano de borboleta nos amores do rapaz.

Azul é cor de sujeito que pisca os olhos pra noite e cochicha estátuas nos ouvidos do vento.
É cor de quem tem voz de anil e se usa de ignorâncias pra compreender a língua dos rios.
Meu verso é azul por natureza. É azul de silêncio e vileza.
Fui amaldiçoado pela música dessa cor.
Eu grito, choro, sequestro fontes de outra cor... Mas no fim sou arrebatado por borboletas ridículas de linguagem e profundas de organismo que sem permissão me afogam em águas irresponsáveis de vigor.

Outro dia vi um abandono azul da altura de uma tarde, tal que um pássaro podia pousar pra fazer ninhos nele.
Dei as costas pra visão e percebi que sou mais um sujeito inútil que experimenta as cores pra ensinar sorriso e jardins.
Já bebi demais dessa nascente que me deságua despedida e lábios.
Chega disso.
Eu quero ser caduco de aquarela.

domingo, 29 de janeiro de 2012

O velho


No princípio era a palavra.
Daí veio a dor, o desejo, a saudade e o verso.
Poema verdadeiro pra ser de mentira tem que ter um pouco de tarde nas suas margens, um pouco de preguiça no seu egoísmo e um pouco de Deus nas suas pétalas.

Do outro lado da pétala tem um velho sentado que liga o rádio pra ouvir o quando.
Nele (no quando), o velho enxerga a voz rouca dos carros que passam na rua e sente o cheiro vazio dos passos acelerados da cidade.
Ele tinha princípios harmônicos sem limites de vento.
Enxergava o após sem o antes e nos seus ouvidos a natureza sussurrava uma melodia boreal de lágrimas.

Ele era como um pescador relaxado de premissa e lamúrias.

O velho da pétala tinha no seu abandono uma vocação esquecida de chuva.
Carregava no bolso uma foto quase apagada de pessoas que não eram e um livro ébrio com poemas de amor com soluços e de angústias presentes que sofriam de aurora.
Seus versos molhavam de desapego a amarga dor de quem os ouvia e tatuava de fascínio a esperança solitária dos que por ele passavam.

Dava pra ver o silêncio fazer pegadas nas páginas do velho.

Havia uma ansiedade lapidada de tempestade e ruínas no caminho do velho.
Ele cantava um hoje impossível de flores com crianças em roda.
Dava nome ao suspiro, apelidava os minutos.
Limpava seu coração de nuvem com plumas brancas de inventar.
E na pétala vazia de infinito, amor e descobertas o velho a sorrir morria em casulo.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Encantamento


Borboleta deu pra voar no mesmo dia que sabiá criou canto.
No mesmo dia que manhã fez orvalho e noite estrelada fez luar.
No calendário da poesia esse dia é feriado
É o dia do encantamento.

Barulho


O som da rua parecia que nem uma barriga que ronca em fome.
Veio a noite, o silêncio,
e a rua engoliu todos os carros, pessoas e palavras.
Ela ficou saciada.

Aglutinação


A palavra cabelo parece a união da expressão “cabe no belo”.
A beleza do teu cabelo é assim
Ela cabe no belo.

No muro


No muro da escola tem o desenho de um cervo rindo de uma borboleta.
A borboleta, aborrecida, deu as costas e foi embora.
Tem também uma abelha simpática que me olha parecendo ter gostado de mim.
O macaco serelepe brinca no balanço.
A cobra enroscada na árvore é mansinha e nem tem veneno.
O sapo é curioso: parece que seus olhos se apagaram no tempo.
O muro da escola é assim.
Nele ninguém se lamenta e nem coloca dinheiro em buraquinhos.

Causo de fulano e de meninos


Fulano conta que menino rico foi passear na fazenda e levou brinquedo caro de cidade.
Menino pobre achou bonito brinquedo de menino rico, todo de plástico, brilhante e colorido.
Menino rico emprestou carrinho de pilha pra menino pobre.
Fulano conta que menino pobre amarrou barbante no carrinho e saiu puxando ele quintal afora.

Vento


Eu vento palavras num caderno de mentira que é meu coração em conflito.
Eu conflito verbos de manhã que é pro mundo girar melhor do lado de fora.

Pra me aquecer de um calor frasal eu me reverbero de noite trajando versos nus
e me deito de tarde numa imagem rasteira de céu com cheiro de livro novo.

Moro na Rua Bobagem.
Casa boba sem jardim numa vila amarela e mariposa.
(Nessa rua tem sempre um diplomado em razão que instrui pessoas de brinquedo numa praça.
Segundo ele e todo seu prestígio acadêmico, não existe essa história de ventar palavras e muito menos isso de o mundo girar melhor do lado de fora.)

Ele me tem como um idiota varrido.

Mas Deus me abençoou varrendo de mim a razão e me fazendo enxergar que esperança que se molha de azul vira flor, vira poema.

E essa bênção veio com água, pomba, língua, fogo e estrofes.

Tem vento demais no azul de Deus.

Tem brisa sagrada e uma bíblia de rio na estante arborizada e empoeirada da minha existência.

Quando me afasto de mim posso pegar com as mãos a tarde.

Que Deus tenha misericórdia da minha inconstância e do meu desvario verbal.
Pois tenho a fraqueza de me excitar com a fornicação das palavras e o gozo do cruzamento de girassóis com horizontes e inocências com borboletas.

E mergulhado nessa promiscuidade letral, rezo a Deus pra que eu seja condenado às profundezas do poema em ventania ou ao purgatório desacostumado das palavras sem gramática.

Desciência


Minha lógica é a de seguir a inconstância,
o improvável.

E minha ciência se confirma no hipotético,
no imagético.

O meu 2 + 2 tem perfume de um 4 azul.
E meu corpo em repouso é inerte de uma existência frasal.

Sou cientista do dessaber, observador do que não existe.
Eu passo horas registrando o que não existe.
Até já fui onde não existe e me perdi na hora de voltar.
Lá onde não existe, sabiá palmeira o canto que sai da terra.

Sou concluído de loucuras, concursado pra insanidade.
Minha razão me desorgulha. Sou letrado em tropeços verbais.
Meu dicionário tem verbetes molhados e meu microscópio serve pra ver despropósitos no meu olho.
Eu faço alquimia nas palavras (eu desvirgino a palavra até ela se orgasmar pra poema).
Estou em estado de fusão poética: minhas palavras se desmancham no papel e inúteis que são, se perdem num poema desimportante.

Poema solto


I

No meu coração tem um horizonte do tamanho do azul.

Nele moram pessoas, palavras e promessas
que se cumprem de girassóis e de sonhos.

O meu despropósito é o de apenas ser. O que vem depois já não é.

Lágrima de poesia tem cheiro de terra molhada.

O olho do meu futuro frequenta lugares exercidos de riachos.

Sou mais inútil quando chove na minha esperança.

Eu monto frases tortas pra endireitar o meu ser.

Uma imagem saltou de minha palavra.

E o céu de um sapo é da altura do seu pulo. (Eles visitam Deus uma vez a cada três pulos)

Atrás da minha casa tem um ninho preenchido de existências canoras.

II

Tem coisas que fazem da minha vida um mundo maior
e que contribuem para o meu aumentamento coisal.

Exemplos: a sombra fria e decadente da minha saudade,

o murmúrio vegetal das minhas existências,

o sorriso claro e amanhecido do meu quintal

E o gosto desenvolvido e abandonado da minha tarde.

Tudo isto, além das tristezas que passeiam lá fora, são matérias-primas pra meus versos,

epifanias no meu lápis.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Andorinha

Toda vez que menino vinha pra mudar a cor do dia
Outono chegava antes e mudava na frente.

Andorinha se ria e dizia que pra menino mudar a cor do dia
Era de profunda importância que ele se assumisse poeta e que murmurasse trejeitos de março.

Andorinha tinha sabedoria outonal e um entusiasmo primaveril
Viajava lá pelas bandas de poema e pelos confins imaginários do menino.

Quando voltava na primavera, sempre trazia consigo histórias de margem de rio com meninos
E de meninos que faziam de sua infância iluminuras molhadas de rio e de orvalho.

Aquele menino se inquieta de mim.
Se inquieta de si e de suas existências chuvosas.
Andorinha se ri e voa pra dentro do menino pousando nos galhos do seu pé-de-agora.

Feliz é menino que tem seus agoras repletos de passarinho.
Pois tornam-se como ninhos preenchidos de um silêncio perfumado e canoro.

Ciclo

Meu lema é sombra.
Anseio por um presente vão.
Desejo de um hoje pleno considerando a inexistência do amanhã.
E é nessa angústia e regozijo corpóreo que me celesto e celesto a grandeza de pensar com o corpo.
É no corpo que me transfaço.
É no corpo que transvejo.
Transvejo o mundo percebendo a graça me despir de teorias e conceitos tornando-me um nada inútil e pleno.

Como é bom ser inútil!
Sem pudor, abraço a filosofia do nu e do nada,
Pois assim me refaço em poesia.

Caminhando descalço contemplo minha condição de terra
E transcendo a profundezas cada vez mais altas.
Aquele pedaço de chão esperou anos para ser pisado por mim.
Mesmo o chão contempla sua condição de existir.
Chão que engole nossos mortos,
Mas que nos presenteia com árvores e flores.

É assistindo a iminência da morte que vejo que a vida nunca morre.
Quem morre somos nós, indivíduos.
A vida nem nasce e nem morre.

Ela renasce em nós.